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INOVAÇÕES DA LEI ANTICORRUPÇÃO (LEI 12.846/2013) NO BRASIL

  • bianimer
  • 8 de mar. de 2023
  • 5 min de leitura

A Lei Anticorrupção foi criada, no Brasil, em um contexto de necessidade de desenvolvimento de barreiras mais contundentes à corrupção.


As normas que integram o “sistema legal de defesa da moralidade”, antes do advento dessa novel legislação, já possuíam fortes previsões de combate à malversação do patrimônio público. Todavia, algumas importantes inovações surgiram para suprir lacunas que ainda pairavam sobre o tema.


O escopo da lei, por si só, já é inovador: a responsabilização objetiva administrativa e civil das pessoas jurídicas. Até então, as legislações anteriores, como a Lei de Improbidade Administrativa e a Lei de Ação Popular, destinavam-se a punir pessoas físicas responsáveis por prejuízos à Administração Pública, o que não se mostrava suficiente para o cenário brasileiro, onde a corrupção é praticada, de forma constante e sistêmica, por meio de negócios jurídicos celebrados, na maioria das vezes, por empresas com o Poder Público.


Parece adequada a ponderação de CARVALHOSA[1] acerca da natureza jurídica do regime de responsabilização contido na Lei Anticorrupção. Para o doutrinador, o que a disciplina normativa prevê é, em verdade, um processo penal-administrativo, ao qual foi transposta a teoria da imputação objetiva, moderno instrumento de julgamento e condenação, não mais fundado na causalidade tipo-dolo, mas na causalidade conduta-benefício, de acordo com o que a pessoa jurídica corrupta pretende obter.


Em verdade, em que pese a terminologia utilizada pela lei em seu art. 5º (“atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira”) e a previsão de responsabilização administrativa e judicial, em seus Capítulos III, IV e VI, mostra-se relevante que a doutrina enfatize a natureza criminal dos delitos corruptivos.


Tais condutas são extremamente graves e geram incomensurável dano ao bem jurídico que o Estado representa, em sua condição de tutor dos interesses da coletividade. Por isso, quando o delito corruptivo é praticado no próprio âmago estatal, em concurso com os agentes públicos que compõem seus quadros políticos, judiciários e administrativos, as consequências dele advindas são tão abjetas que não soa bem intitulá-los, meramente, ilícitos administrativos; a palavra “crimes”, por certo, parece mais adequada.


Se considerarmos, portanto, que a natureza sancionatória dessa lei se aproxima da disciplina penal – apesar de a persecução e a penalização serem realizadas no âmbito administrativo ou no âmbito judicial civil –, é de rigor que sejam garantidas aos acusados as formalidades inerentes ao devido processo legal criminal. Ou seja: princípio da legalidade estrita, com a impossibilidade de analogia no que tange às condutas típicas e às sanções; vedação à autoincriminação (valendo, aqui, o acordo de leniência como uma mera opção, e não um dever, à empresa, que dele poderá se valer para obter a mitigação de suas penas); garantia de defesa técnica por advogado, durante todo o processo, ainda que em âmbito administrativo, dada a natureza gravemente sancionatória que dele pode advir.


Outro ponto que merece comentários é o da responsabilidade objetiva em si da pessoa jurídica. Antes da Lei Anticorrupção, previa-se na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) esse tipo de responsabilização às empresas. Agora, ampliou-se o seu espectro de aplicação além do campo ambiental, possibilitando que se aplique a todos os delitos de corrupção praticados contra o interesse público.


A opção pela responsabilidade objetiva, e não subjetiva, parece ser óbvia e inerente à natureza existencial das pessoas jurídicas. Diferentemente das pessoas físicas, que possuem liberdade psicológica e podem agir com dolo ou culpa, as empresas não se movem pela manifestação de vontade, pois não têm raciocínio quando consideradas isoladamente, de forma apartada de seus dirigentes e administradores. Por isso, outra opção não há senão a atribuição a elas, de forma objetiva, da responsabilização por seus atos.


Imprescindível, ainda, fazer-se alusão ao acordo de leniência, previsto no Capítulo V da Lei nº 12.846/2013 e regulamentado no Capítulo III do Decreto nº 8.420/2015. Trasladou o legislador, com grande semelhança, as disposições concernentes ao programa de leniência previsto no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011), que trata sobre a prática de cartel, abuso do poder econômico e defesa da concorrência.


Em que pesem as críticas que possam ser feitas a essa transposição dos dispositivos de uma lei para a outra, haja vista as diferenças entre suas finalidades e objetividades jurídicas, fato é que, na legislação em estudo, a instituição do regime de leniência poderá trazer benefícios às investigações, estimulando a cooperação entre as empresas envolvidas nos fatos delituosos e os órgãos de apuração das condutas.

O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da reparação integral do dano por ela causado, mas poderá isentá-la das penalidades de publicação extraordinária da decisão condenatória e de proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo Poder Público. Além disso, poderá gerar a redução, em até 2/3 (dois terços), da multa que eventualmente venha a sofrer.


Em contrapartida, para que faça jus a esses benefícios, a colaboração da empresa deve ser efetiva, resultando na identificação dos demais envolvidos na infração (quando couber) e na obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração. Caso a proposta de leniência seja rejeitada, a empresa terá a garantia de que as informações por ela fornecidas não importarão em reconhecimento da prática do ilícito investigado.


Trata-se, portanto, de um pacto de diminuição das penalidades vinculado a uma condição resolutiva de resultado, qual seja a efetiva ampliação, na investigação, das pessoas (físicas ou jurídicas) componentes do concurso delitivo, mediante a apresentação de relevantes documentos e informações pela empresa pactuante.

Para a celebração desse acordo, deve haver o preenchimento cumulativo de três requisitos: I) a pessoa jurídica em questão deve ser a primeira a se manifestar sobre o seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; II) a pessoa jurídica deve cessar completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data da propositura do acordo; III) a pessoa jurídica deve admitir sua participação no ilícito e cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até o seu encerramento.


Cumpre destacar, ainda, a relevância da criação, no âmbito do Poder Executivo federal, do Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP) e do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), que têm por escopo reunir e dar publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base não apenas no processo penal-administrativo da Lei Anticorrupção, mas também em razão das eventuais condenações ressarcitórias proferidas em sede de ação civil pública. Também deverão constar desses cadastros informações sobre as empresas que tenham celebrado acordos de leniência.


Havendo publicidade de tais registros, as pessoas jurídicas afetadas não sofrerão apenas as sanções resultantes de suas condenações, mas também sentirão os impactos da desonrosa inclusão de seus nomes nos cadastros de corruptos e corruptores, o que poderá afetar sua imagem no mercado em que atua. O que se espera é que esses reflexos possam inibir futuras práticas delituosas, servindo como estímulo à moralidade no campo concorrencial.


Por fim, assume relevo a valorização, pela lei, dos mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação de códigos de ética e de conduta no âmbito das pessoas jurídicas, fatores utilizados como atenuantes na aplicação das sanções.


Por certo, esses mecanismos internos de prevenção dos atos de corrupção são ainda mais relevantes do que as sanções em si, visto que impedem a concretização do dano e tendem a criar um alinhamento ético e moral no âmago das empresas, com vistas à transformação de contumazes práticas de irregularidades e desvios.


[1] CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas – Lei 12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 37.


Beatriz Lameira Carrico Nimer

Mestre e Doutora em Direito pela USP

 
 
 

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